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  • Foto do escritorOBSERVATÓRIO DA REFORMA NO STF

ADI 5625: A Lei do Salão-Parceiro

Atualizado: 29 de mar. de 2022

No dia 28/10/2021 foi finalizado o julgamento acerca da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5625 no STF, ingressada pela CONTRATUH (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade). Na ocasião, julgou-se a validade da Lei 13.352 (Lei do Salão-Parceiro), que preconiza uma nova modalidade contratual, a qual permitiria a contratação de profissionais do ramo da estética sob o regime de “parceria”. O Ministro Edson Fachin, então relator, restou como voto vencido, sendo acompanhado unicamente pela Ministra Rosa Weber.


O acórdão referente ao julgamento ainda não foi publicado, no entanto, a sessão está disponível virtualmente pelos própios meios de comunicação do Supremo Tribunal Federal.


A formação de maioria se deu ao redor do voto do Ministro Nunes Marques. Esse, por sua vez, apresentou os argumentos que foram compartilhados e desenvolvidos pelos demais divergentes, julgando pela improcedência da Ação.


Apesar de diferentes estratégias e enfoques, a consonância argumentativa se mostrou presente por meio dos seguintes tópicos: 1) o princípio da primazia da realidade, evocado a partir da afirmativa de que os profissionais de estética já trabalham costumeiramente em regimes de parcerias, mas de modo informal; 2) a respectiva formalização desse regime, a qual garantiria os direitos previdenciários da categoria, por exemplo, além da manutenção das condições do trabalho; 3) a flexibilidade garantida ao trabalhador, permitindo com que esse defina os seus horários e locais de trabalho, bem como a sua remuneração, que seria baseada no volume produzido; 4) a facultatividade do contrato de parceria, o qual seria apenas mais uma opção dada ao trabalhador, que deteria um certo poder de escolha mediante sua autonomia; 5) e, por fim, as mudanças estruturais do trabalho oriundas das novas tecnologias das sociedades “pós-industriais” .


Quanto a esses tópicos, os ministros vencidos apresentaram argumentos bastante robustos contra eles, tendo a Ministra Rosa Weber se aprofundado mais.


A partir de uma breve explanação sobre o processo histórico de formação do direito do trabalho, na qual se mencionou as suas lutas formadoras e, sobretudo, o desvelamento da assimetria de poder intrínseca à relação de trabalho, a Ministra salientou que, graças a alienação antecipada do resultado do trabalho por quem dirige a atividade econômica e subordina juridicamente, o empregado está no polo mais fraco da balança.


Desse modo, ao contrário do que postulou o Ministro Nunes Marques e o Ministro Gilmar Mendes, a justiça do trabalho e a legislação trabalhista não estariam erigidas a partir de um certo protecionismo paternalista, mas, sim, seriam consequências da luta positivada na Constituição de 88, expressa, principalmente, na elevação dos direitos trabalhistas das normas infraconstitucionais para as normas propriamente constitucionais.


Isto posto, as mudanças nas formas de regulação trabalhista requisitadas pelo desenvolvimento tecnológico e pelo mercado de trabalho não deveriam operar mediante uma transação de direitos, como é apresentado implicitamente pelos votos vencedores. Segundo eles, nesse cenário no qual a automação do trabalho e a crise econômica provocam uma tendência ao desemprego, dever-se-ia renunciar a certos direitos, enxergados como estruturas que engessam as relações de trabalho, em nome do próprio acesso ao emprego. Seletivamente, mobilizam os princípios jurídicos de modo a favorecer a livre iniciativa, por exemplo, em detrimento do pleno emprego e da expansão das garantias sociais, ambos também presentes na Carta Constitucional.


Para além disso, a Ministra salienta que o princípio da primazia da realidade foi evocado às avessas. Se a prática da parceria é comum aos profissionais de estética, estando presentes os pressupostos para o vínculo empregatício, isso ratificaria muito mais um déficit do que um ponto legitimador à positivação. Aqui, ela e o Ministro Edson Fachin demonstram acordo explícito, já que ambos abordam a evolução doutrinária sobre o entendimento da subordinação, não sendo essa caracterizada exclusivamente pela sua faceta subjetiva, podendo, também, ser estrutural, objetiva e/ou econômica, independendo, inclusive, das vontades das partes. Dessa forma, entende-se que o limbo jurídico normalmente imposto a esses profissionais, marcado pelo disfarce da subordinação de forma geral, não seria sanado somente pela institucionalização da ilegalidade sob a forma de lei. Logo, a realidade da relação fática-jurídica estaria antes sendo omitida por instrumento formal ao invés de propriamente desvelada e combatida.


Em outro âmbito, a despeito do que foi colocado pelos votos divergentes, a vontade do empregado, mobilizada juntamente com a facultatividade do contrato de parceria, não seria exercício de sua liberdade. Na verdade, seria a ratificação da sua submissão, dado o caráter hipossuficiente do trabalhador e a ausência da posse dos meios de produção. Haveria, portanto, nos pressupostos do objeto da ADI uma falsa simetria entre as partes do contrato.

Em se tratando da laureada formalização, por seu turno, os vencidos no julgamento mobilizam a categoria da “pejotização” para explicá-la. A Lei do Salão-Parceiro deixa claro que o salão se responsabilizaria pela administração, contabilidade, manutenção do local, como também pela distribuição das cotas-parte dos profissionais-parceiros, já recebidas com os devidos descontos tributários. À vista disso, pode-se perceber que, como é disciplinado pelo art. 2º da CLT, o salão-parceiro figuraria enquanto empregador nesta relação, haja vista que assumiria os riscos da atividade econômica.


Contra a caracterização da natureza fraudulenta desta parceria, os ministros vencedores argumentaram que a lei prevê a descaracterização do contrato de parceria quando o profissional-parceiro não realizar as funções previstas no contrato. Nesse aspecto, percebe-se que a presença dos pressupostos para o reconhecimento do vínculo empregatício não surge enquanto parâmetro norteador. Desse modo, abrir-se-ia uma possibilidade interpretativa para desconsiderá-los em situações de fraude. Ou seja, a tal “formalização” não ocorre tendo em vista a expansão das garantias sociais, ela é, em verdade, a prevalência da forma da norma trabalhista em detrimento do seu conteúdo.


Em última instância, trata-se da tentativa de reduzir o "exarcerbado número de reclamações trabalhistas" por meio de um contrato, representativo de uma ilusória autonomia da vontade do empregado, que depois seria utilizada para afastar suas pretensões reivindicatórias. Assim, restaria uma pessoa natural com roupagem de pessoa jurídica e uma relação empregatícia disfarçada de prestação de serviços autonômos.


Em suma, o que se viu foi a tentativa de “recuperar o caráter privado” do Direito do Trabalho, como posto pelo Ministro Gilmar Mendes, tomando como justificativa uma recepção acrítica das novas formas de trabalho e das mudanças tecnológicas. Ambas, nesse prisma, figuram enquanto dados naturalizados, isto é, criações que impõem as suas vontades sobre os homens, e não frutos de conflitos sociais historicamente desenvolvidos, passíveis, portanto, de mudanças e novas contradições.


É por meio da desconsideração deliberada da historicidade das relações entre trabalho e capital nos votos que a liberdade atomista é evocada como substrato argumentativo para justificar a venda indiscriminada da força de trabalho, ocultando a necessidade de uma ordem pública que a garanta. Até para a desregulamentação de dispositivos protetivos é necessária uma estrutura jurídica criada coletivamente. No fim, não há um direito, ou uma liberdade estritamente individual que nasça da volição do seu suposto detentor. Não há um estado de natureza, que opera sob a lógica do mercado, sendo sufocado por regulações jurídicas.


A glorificação da autonomia do trabalhador, a qual permitiria com que esse escolha seus horários, seus locais de trabalho, sua remuneração a partir do volume trabalho, tudo sem hierarquia, é antes a autonomia para que esse trabalhador tenha que suportar a falta de limitação à jornada de trabalho, os ônus do seu deslocamento, a falta de remuneração em casos de doenças, acidentes e gravidez. Como bem relembra a Ministra Rosa Weber citando o frade Henri-Dominique Lacordaire: “entre os fortes e fracos, entre ricos e pobres, entre senhor e servo é a liberdade que oprime e a lei que liberta”.


Por Marcio de Andrade Mota, com o apoio da equipe do Observatório.

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