O capítulo 16 do livro "O Supremo e a Reforma Trabalhista", intitulado O STF, a correção monetária dos débitos trabalhistas e o dever de coerência, presta-se à análise de decisões do Supremo relacionadas à correção monetária de débitos/créditos oriundos do não cumprimento de cláusulas contratuais trabalhistas. Escrito por Cláudio Brandão, Ministro do TST e doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa, tal capítulo, ao traçar um panorama histórico das decisões da Corte, desde 1992, visa à análise da congruência (ou incongruência) jurisprudencial quanto ao mérito.
Histórica e inequivocamente, o STF vinha fixando a tese da inconstitucionalidade da adoção da Taxa Referencial (TR) como índice de correção dos débitos trabalhistas. A TR é uma taxa pré-fixada e, como tal, incapaz de refletir a inflação. Portanto, tendo em vista o fim a que se destina a correção monetária - qual seja, a preservação do valor real de um bem, mediante a alteração de seu valor nominal -, a TR mostra-se claramente imprópria. Assim, com fundamento no direito constitucional à propriedade (CF, art. 5º, XXII) - que exige adequada correção monetária para que as relações entre credor e devedor mantenham-se qualitativamente estáveis -, o STF consagrou, na ADI nº 493, a inconstitucionalidade de utilização da TR para correção monetária.
Posteriormente, nas ADIs nº 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425, relativas ao índice de correção a ser aplicado aos créditos junto à Administração Pública, foi ratificada essa inconstitucionalidade. Na mesma linha se deu a decisão do RE nº 870.947/SE (Tema de Repercussão Geral 810), que fixou, para correção das condenações da Fazenda Pública, o IPCA-E. Também nesse sentido, ao analisar a correção monetária sobre créditos dos servidores públicos, na ADI nº 5.348, o STF concluiu pela inconstitucionalidade da utilização da TR.
Até então, a jurisprudência da Corte mantinha-se pacífica e congruente. Contudo, com o advento da Reforma Trabalhista, que introduziu a utilização da TR como fator de correção dos débitos trabalhistas, a questão foi revisitada, nas ADIs nº 5.867/DF e 6.021/DF e nas ADCs nº 58 e 59, gerando decisões completamente dissonantes. Nessa conjuntura, foi proferida a Resolução 672/2020, em que o STF novamente reconheceu a inconstitucionalidade da TR, mas determinou a utilização da Selic para atualizar os créditos trabalhistas. Segundo o próprio Banco Central, a Selic, tal qual a TR, é pré-fixada e incapaz de medir a inflação.
Além de violar o direito à propriedade, ao deixar os credores em desvantagem por não observar alterações inflacionárias, a decisão fere o direito fundamental à isonomia entre trabalhadores do setor público e privado, uma vez que, como citado, nos débitos da Fazenda Pública, a taxa a ser utilizada é a IPCA-E, enquanto no caso de devedores privados será utilizada a Selic. Tal decisão, incompatível com todas as outras relacionadas ao mérito, representa um retrocesso e uma afronta a direitos fundamentais, estabelecendo para os credores trabalhistas taxa de correção pré-fixada, a qual o próprio Supremo já havia, reiteradamente, afirmado ser inadequada a esse fim.
Nesse sentido, as observações críticas trazidas pelo Ministro Cláudio Brandão, que escreveu o 16º Capítulo do livro "O Supremo e a Reforma trabalhista", em contraponto histórico ao julgado proferido na ADC nº 58, contribuem para uma análise crítica da construção jurisprudencial da Corte Constitucional.
Referência bibliográfica
BRANDÃO, Cláudio. O STF, a correção monetária dos débitos trabalhistas e o dever de coerência: DUTRA, Renata; MACHADO, Sidnei (orgs). O Supremo e a Reforma Trabalhista: a construção jurisprudencial da Reforma Trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2021, p. 423-455.
Elaboração: Juliana Scandiuzzi, com o apoio da equipe do Observatório.
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