Retomou-se ontem (20) no Supremo Tribunal Federal o julgamento, iniciado anteontem (19), do Recurso Extraordinário (RE) 999.435, com repercussão geral, que versa sobre a (in)constitucionalidade da dispensa coletiva de trabalhadores sem prévia negociação coletiva do sindicato.
Voto do Ministro Luís Roberto Barroso (divergência)
A sessão iniciou com a sustentação do Ministro Luís Roberto Barroso, que acompanhou a divergência suscitada pelo Ministro Edson Fachin e negou provimento ao RE. Manifestou-se pela adoção da seguinte tese de repercussão geral: “a intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo”.
Em primeiro lugar, apresentou os valores que inspiram a linha decisória adotada na construção do seu posicionamento, como os de assegurar os direitos fundamentais de natureza trabalhista inscritos na Constituição, que incluem salário-mínimo, repouso remunerado, jornada de trabalho e aposentadoria; preservar o emprego e aumentar a empregabilidade; formalizar o trabalho removendo os obstáculos que levam a informalidade; melhorar a qualidade geral e a representação dos sindicatos; valorizar a negociação coletiva; desonerar a folha de salários; e acabar com a imprevisibilidade dos custos da relação de trabalho.
Para o presente caso, figuram-se como centrais a preservação do emprego, a representatividade dos sindicatos e a valorização da negociação coletiva. Diante desses valores e tendo em vista que a dispensa em massa é um fato social relevante, pois impacta os trabalhadores demitidos e a toda comunidade, é legítimo e desejável estimular algum tipo de diálogo.
Entendeu o ministro que há uma omissão inconstitucional sobre a despedida e que o Supremo possui legitimidade para impedir o esvaziamento de direitos fundamentais por inércia do legislador. Ressaltou que os dispositivos constitucionais - dentre eles o art. 7º, inc. XXVI, e o art. 8º, incs. III e VI – trazem relevante proteção à negociação coletiva, mesmo em situações extremas, à livre associação e à representação sindical. A partir dos mandamentos constitucionais, a Corte firmou posicionamento de que o acordo coletivo prevalece sobre dispositivo legal no julgamento do RE 590415.
Defendeu que a decisão proferida pelo TST estabeleceu um devido processo legal mínimo nos casos de demissão em massa e que o Tribunal não exigiu uma autorização prévia para que o setor patronal realizasse a demissão, mas sim fez uma exigência procedimental. Logo, não há que se falar em violação à livre iniciativa, uma vez que a vontade do empregador ainda irá prevalecer, ouvida a posição do sindicato. Não existiria razão, assim, para negar a realização de negociação coletiva prévia.
Pedido de vista
O próximo a se manifestar foi o Ministro Dias Toffoli, que pediu vista aos autos. O julgamento foi encerrado às 14h47 e retornará posteriormente.
Relembre o que aconteceu anteontem no julgamento do Recurso Extraordinário 999.435:
Iniciou-se no Supremo Tribunal Federal o julgamento do Recurso Extraordinário 999.435, com repercussão geral, que versa sobre a (in)constitucionalidade da dispensa coletiva de trabalhadores sem prévia negociação coletiva do sindicato.
O Recurso Extraordinário foi proposto pela Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. – EMBRAER e pela Eleb Equipamentos LTDA em face de decisão do Tribunal Superior do Trabalho que, mantendo decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (São Paulo), entendeu que a negociação coletiva é pressuposto de validade dos processos de dispensa em massa.
Vale ressaltar, entretanto, que nesse caso o TST entendeu que este novo entendimento seria aplicável apenas para casos futuros, e não para a situação da EMBRAER, que no ano de 2009 havia realizado a dispensa coletiva de quatro mil trabalhadores sem diálogo prévio com o sindicato da categoria.
Posicionamento do Ministério Público Federal
A Procuradoria-Geral da República se manifestou contrariamente à possibilidade da dispensa de negociação coletiva para a demissão em massa de empregados e pugnou pela negativa de provimento do Recurso Extraordinário e pela manutenção da compreensão firmada pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Sustentou, em síntese, que o valor da proteção social do trabalho e da livre iniciativa devem ser harmonizados com os fundamentos do texto constitucional, sobretudo em face do direito social fundamental à garantia contra a despedida arbitrária ou sem justa causa nos termos de lei complementar, por efeito do art. 7º, I, da Constituição da República.
Ainda que não tenha sido editada a referida lei complementar a que se refere o dispositivo, a PGR afirmou que o Brasil é signatário da Convenção 158 da OIT, sobre o “término da relação de trabalho por iniciativa do empregador”, que trata dos mecanismos de proteção do trabalhador contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa.
Enfatizou, além disso, que, com esteio no art. 5º, § 2º, da Constituição da República, estão incluídos no bojo da proteção constitucional as normas internacionais constantes de tratados protetivos de direitos humanos, a exemplo da aludida Convenção, cujo teor de suas disposições, por seu caráter supralegal, prevalecem sobre as leis nacionais, ordinárias ou complementares.
Por fim, defendeu que, estando a Convenção 158 em pleno vigor, devem ser observados os seus arts. 13 e 14, que determinam a adoção de práticas de informação e de notificação em razão do término da relação de trabalho por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos.
Inferiu dos citados preceitos que não é admissível a demissão em massa sem a prévia comunicação e negociação com a representação dos trabalhadores, além de que devem incidir na espécie por força do princípio geral vigente do direito internacional e dos direitos humanos de aplicação da norma mais benéfica.
À vista disso, concluiu que não se cuida de proibição de demissão dos empregados para a reestruturação ou mesmo para o encerramento das atividades empresariais, e sim da observância de sua prática segundo as regras constitucionais e internacionais aplicáveis, em atenção à medida de autocomposição extraída do sistema jurídico nacional e internacional, com vistas ao equacionamento dos valores em conflito.
Voto do Ministro Marco Aurélio (relator)
O processo foi distribuído para relatoria do Ministro Marco Aurélio, que foi, portanto, o primeiro a votar. O Ministro iniciou seu voto falando sobre o princípio da dignidade humana, do desequilíbrio inerente ao mercado de trabalho brasileiro e sobre as peculiaridades do Direito do Trabalho. Nessa linha, o Ministro destacou que o trabalhador, por necessitar do emprego para o seu sustento, termina por colocar em outros planos as suas reivindicações menos imediatas.
Na sequência, o Relator defendeu que a Constituição Federal precisa ser analisada em sua integralidade e não a partir da redação isolada de seus artigos. Assim, afirmou que o art. 7, I, da Constituição Federal remeteu aos termos da lei complementar a proteção da relação de emprego contra dispensa arbitrária ou sem justa causa, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.
Como a referida lei complementar até o momento não foi editada, o Ministro Marco Aurélio afirmou que se deve voltar a análise para o art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, segundo o qual a proteção contra à dispensa prevista no art. 7, I, da Constituição Federal fica limitada ao pagamento da multa de 40% do FGTS. Para o Relator, somente as situações excepcionalizadas no art. 10 em questão estão protegidas contra dispensa arbitrária ou sem justa causa.
Assim, o Ministro Marco Aurélio defendeu a interpretação restritiva dos dispositivos sob a justificativa de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei — o princípio da legalidade. O Ministro ressaltou ainda que, nos casos em que a Constituição Federal tinha interesse na intervenção sindical, ela o fez de forma expressa, como nos casos da possibilidade de negociação de salário, jornada de trabalho e turno de revezamento.
O Ministro Marco Aurélio sustentou ainda a necessidade de se garantir segurança jurídica, que possuiria direito potestativo de se reestruturar por razões de ordem econômica e financeira. Afirmou que a dispensa é ato unilateral e não depende da concordância da parte contrária. Por fim, ressaltou que a própria CLT, após a Lei n. 13.467/2017, a Reforma Trabalhista, passou a ter previsão de que as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas obedecem ao mesmo regramento legal, não havendo necessidade de negociação coletiva para sua efetivação.
O Ministro propôs, assim, a seguinte tese: a dispensa em massa de trabalhadores prescinde de negociação coletiva.
Voto do Ministro Alexandre de Moraes
Na sequência, foi a vez do Ministro Alexandre de Moraes apresentar seu voto. O referido Ministro destacou que, embora a Constituição Federal tenha aberto a possibilidade de o legislador editar lei complementar ampliando a proteção sobre a dispensa no Brasil, até o momento não foi editada a referida legislação, de modo que se deve recorrer ao art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que apenas teria previsto a necessidade de pagamento da multa de 40% do FGTS.
Além disso, o Ministro afirmou que a Constituição Federal não diferenciou os tipos de dispensa (individuais, plúrimas ou coletivas), bem como que nos casos em que teria interesse na realização de negociação coletiva, o texto constitucional teria previsto de forma expressa. Tal como o Ministro Relator, também destacou que após a Lei n. 13.467/2017, a CLT passou a prever que não há necessidade de negociação coletiva para efetivação da dispensa coletiva.
O Ministro Alexandre de Moraes afirmou que, diante desse quadro, não haveria vácuo normativo apto a atrair a atuação do poder normativo da Justiça do Trabalho sobre a matéria. Além disso, defendeu que a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho não foi incorporada ao ordenamento jurídico.
Assim, o Ministro acompanhou a tese proposta pelo Ministro Marco Aurélio.
Voto do Ministro Nunes Marques
Após o Ministro Alexandre de Moraes, foi a vez do Ministro Nunes Marques afirmar que acompanharia o voto e a tese do Ministro Marco Aurélio e que posteriormente juntará aos autos do processo cópia escrita do seu voto. Depois do Ministro Nunes Marques, foi a vez do Ministro Edson Fachin apresentar o seu voto.
Voto do Ministro Edson Fachin (divergência)
O Ministro Edson Fachin abriu divergência, ou seja, discordou dos votos dos Ministros anteriores e entendeu pela necessidade de negociação prévia com o sindicato nos casos de dispensa coletiva. Para o Ministro, a Constituição Federal colocou o ser humano no centro do ordenamento jurídico e o Direito do Trabalho como direito social fundamental.
Dessa forma, afirmou que na relação de trabalho é com o trabalhador que se expressa a concepção maior da dignidade da pessoa humana, fundamento do ordenamento constitucional, que exige não proteção abstrata, mas sim concreta e real, por parte do Estado e da comunidade em geral. Assim, medidas que visam a manutenção de um patamar civilizatório mínimo precisam ser privilegiadas.
O Ministro Edson Fachin ressaltou a existência de convenção interamericana de direitos humanos que prevê a progressividade das normas econômicas e sociais, bem como da Convenção n. 158 do TST que trata sobre o término da relação de trabalho, e destacou que é direito do trabalhador o reconhecimento dessas normas internacionais que visam proteger direitos trabalhistas.
Além disso, o Ministro destacou a existência de risco real, e não só iminente, de violação em cascata de direitos fundamentais, especialmente quando se analisa a necessária participação sindical na conformação do direito dos trabalhadores. Nessa linha, ressaltou que o art. 7º, I, da Constituição Federal é claro ao prever a proteção contra dispensa arbitrária ou sem justa causa.
Assim, o Ministro votou pela manutenção integral da decisão do TST.
Após o voto do Ministro Edson Fachin, o julgamento foi suspenso e retomado no dia 20 de maio de 2021.
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